Entenda a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)?
Médica com especialização em Pediatria, Ana Lúcia Langer é uma das precursoras nos cuidados de pessoas com distrofia muscular de Duchenne (DMD) no Brasil. A experiência profissional com a condição começou dentro de casa, já que ela teve um filho, Leonardo, diagnosticado com a doença.
De acordo com Ana Lúcia, a DMD é uma doença complexa que envolve muitas comorbidades e necessita de cuidados multidisciplinares, como pediatra, neurologista, cardiologista, pneumologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo.Por isso, é importante que os pais fiquem atentos e não ignorem atrasos nos marcos de desenvolvimento da criança. “Aquela conversa de que ‘cada criança tem seu tempo’ tem que mudar. Precisamos identificar o quanto antes para iniciar o tratamento adequado e o aconselhamento genético dessas famílias”.
Para ela, a “porta de entrada” para investigar alguma anormalidade no desenvolvimento da criança é o pediatra, mas a formação dos médicos é falha quando se trata de doenças raras. “Se a criança está com 14 meses e molinha, não é mais normal. Tem de ter uma explicação. Eu ouço muito as mães: se ela fala que tem alguma coisa estranha com o filho, tem de investigar. É necessário que os profissionais da saúde tenham muita empatia e maturidade para criar um vínculo de confiança com os pais”.
Nas mais de três décadas convivendo com histórias semelhantes à sua, a médica conta que houve muito avanço desde o momento em que seu filho foi diagnosticado, por meio de um exame genético feito na Itália. Apesar de ainda hoje se levar, em média, de seis a sete anos para se chegar à confirmação do diagnóstico, naquela época a jornada era ainda mais longa. “Eu contava nos dedos de uma mão o número de diagnósticos por exame genético que chegavam até a mim. Nos anos de 1980, a recomendação era ficar em casa e esperar a morte da criança”, conta a especialista.
Para reduzir a jornada do diagnóstico, a especialista recomenda solicitar o exame de CK quando houver queixa de atraso na aquisição de marcos motores além de incluí-lo na lista de exames pré-operatórios de crianças. “Após exame de CK alterado, recomenda-se fazer o exame genético e, com a confirmação diagnóstica, seguir para os cuidados adequados”.
“O quanto a medicina me der ‘armas’, eu vou lutar contra a progressão da doença. Eu vou continuar a minha estrada, mesmo tendo perdido o ator principal da minha vida mas, em honra a ele, eu não quero que outras mães passem pelo que eu passei. A vida é feita de momentos. Por isso, temos de fazer o máximo possível enquanto esses meninos estiverem aqui, fazendo eles mais felizes”, conclui.
Leo faleceu em 2020, aos 35 anos.
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Lidiomar percebeu os primeiros sintomas em seu filho, Felipe, no primeiro ano de vida. O menino apenas engatinhava “sentado” e demorou para conseguir andar sozinho. Além disso, quando conseguiu andar, tinha muitas quedas e dificuldade para se levantar do chão. Então, ela o levou ao pediatra para uma avaliação. A mãe conta que o diagnóstico na época, por volta de 1985, não era fácil, e por isso ele passou por diversos médicos, principalmente ortopedistas, que falavam que o problema era que ele não tinha a ponte do pé. Dessa forma, foram indicadas as botas ortopédicas que, infelizmente, prejudicaram ainda mais a mobilidade dele, já que eram pesadas.
O diagnóstico da DMD veio apenas por volta dos 7 anos, quando se consultaram com uma neurologista e ela desconfiou que ele poderia ter alguma distrofia. Com isso, foi indicado realizar uma biópsia e o diagnóstico veio pouco tempo depois: Felipe tinha distrofia muscular de Duchenne.
Daquele momento em diante, Felipe se consultava com médicos, mas não tinha nenhum especialista em doenças raras ou DMD, pois na época não havia conscientização e até mesmo conhecimento por parte dos profissionais de saúde, como lembra Lidiomar. Foi quando recomendaram que a família se aproximasse de associações de pacientes, como a ABDIM.
Aos 8 anos, o Felipe passou a usar a cadeira de rodas, uma transição que para ele e a família foi bastante tranquila. Ao longo dos anos seguintes, Felipe teve demais questões de saúde em função de condições e situações distintas, como por exemplo o albinismo, o que acabou o afastando dos estudos.
Apenas em 2005, quando a ABDIM foi reestruturada e uma nova médica entrou na associação, Felipe começou a receber orientações sobre a maneira mais adequada de cuidar dos reflexos da DMD, e até mesmo para prevenir complicações. Sua trajetória foi complexa, e a medida em que o rapaz foi crescendo, foram introduzidas a ventilação e as órteses, medidas sempre adotadas com o objetivo de atender as suas necessidades de saúde.
Apesar disso, Lidiomar reforça que, dentro da medida do possível, o filho tinha uma vida bastante semelhante a de qualquer outro jovem, adorava jogar videogame e jogos de computador. Enquanto tinha mobilidade nas mãos ele jogava bastante. Além disso, Felipe sempre adorou esportes. Apesar de não poder jogar, ele assistia inúmeros jogos e competições, das mais variadas modalidade, para inclusive ter assunto para conversar com as pessoas, fossem essas seus familiares, amigos ou profissionais da sua rede de saúde.
A mensagem que Lidiomar deixa é para as mães, que muitas vezes se veem sozinhas quando o filho recebe um diagnóstico de doença rara: procurem associações e fiquem próximas a elas. “O meu filho viveu por 33 anos, pois estava em um ambiente em que as pessoas conheciam a patologia e pôde ter o acompanhamento certo naquele momento, usou a ventilação no momento certo, e cuidou dos efeitos colaterais do modo certo”.
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A história que envolve os avanços do conhecimento da distrofia muscular de Duchenne no Brasil, bem como os cuidados e as conquistas da comunidade DMD, não seria a mesma sem a existência de Marcelo Pupin, 45 anos, diagnosticado por volta dos seis com a doença, e seus pais Edna e Murilo.
A jornada até o diagnóstico foi semelhante a de outros casos. Na escola, as professoras falaram que Marcelo tinha certa dificuldade nas atividades, mas Edna achava que ele era apenas uma criança um pouco mais ‘folgada’. “Víamos aquilo como algo de uma criança ‘mais molinha’. Eu o levei ao pediatra e depois a um neurologista e eles disseram que não era nada. Depois, levamos a um outro neurologista que já sabia mais sobre distrofia. Nesta consulta, ele foi fazendo perguntas e vendo os movimentos e pediu exames que existiam na época. E chegamos a um consenso pelo diagnóstico vendo as gravuras dos livros de medicina”, relata ela.
Se ainda hoje a DMD enfrenta o desafio do desconhecimento, imagine no início d década de 1980. “O prognóstico era muito ruim. Diziam que o Marcelo não sobreviveria até os 15 anos e que dificilmente um garoto com a doença chegaria à vida adulta. Alguns faziam um tipo de fisioterapia, outros faziam de outra forma. Estava tudo muito no início”.
A busca para ajudar o filho levou Edna a organizar um grupo de mães e pais, o que posteriormente gerou a primeira associação de pacientes em prol de direitos das pessoas com DMD: a Associação de Amigos dos Portadores de Distrofia Muscular (AADM). “Fiz uma rifa para poder comprar vacina contra gripe diretamente do Ministério da Saúde para vacinar sete crianças. Fui atrás de fisioterapeutas, exames genéticos e aconselhamento genético familiar”.
Aos 17 anos, Murilo foi acometido por uma pneumonia. Uma das intervenções foi a administração de oxigênio, o que agravou o seu quadro, levando-o a ser internado na UTI. Edna buscou aconselhamento com especialistas nos Estados Unidos, que recomendaram a ventilação ao invés da oxigenação. “Para ele voltar para casa era necessário um aparelho de ventilação. Corri atrás para conseguir um ventilador e acoplar na cadeira de rodas. Os médicos diziam que não iria resolver. Consegui comprar e instalar o aparelho. Na primeira noite em casa, quando o Murilo acordou, ele disse: ‘mãe, nunca dormi tão bem’. Desde aquele dia, ele nunca mais foi internado”.
A determinação de Edna gerou mais um ganho para a comunidade. Junto com a médica pediatra especialista em DMD, Ana Lúcia Langer, Edna novamente buscou apoio do Ministério da Saúde para permitir o acesso ao equipamento a outras crianças, o que poderia gerar um ganho de qualidade e sobrevida de 10 anos. Graças aos seus esforço, em de 2008 foi criada a Portaria GM/MS nº 1.370, que institui o Programa de Assistência Ventilatória Não Invasiva aos Portadores de Doenças Neuromusculares no Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu tenho orgulho disso, pois não foi uma conquista somente para para o meu filho”, se emociona Edna que, por muitas vezes, se sentiu sozinha na luta.
Em sua trajetória de mãe guerreira, ela conta que estimula o filho a viver a vida plenamente. “Subia em árvore, andava de bicicleta e jogava vídeo game por ele. Eu acredito que eu queria ser as pernas e os braços dele. Dessa forma, eu o apoiei. Há anos, recebi a ligação de uma mãe que me perguntou quantos anos o Murilo tinha e, quando eu disse, ela ficou muito feliz”.
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Ao se mudar com a família da capital paulistana para o interior do Estado, na cidade de Piracicaba, a médica pediatra Fabiana buscava mais qualidade de vida. “Queria ter a oportunidade de ver meu filho crescer brincando no parquinho”, conta ela. O primeiro dos dois filhos, Henrique, hoje com 12 anos, à época tinha pouco mais de um.
Mãe zelosa e também especialista em cuidar de crianças, Fabiana acompanhava seu crescimento, que não indicou anormalidades nos marcos motores do desenvolvimento. “Ele subia as escadas de casa bem devagar, um degrau de cada vez. Eu pensava que ele tinha medo de altura e, por isso, era cuidadoso”, relata.
Aos quatro anos, Henrique entrou para a escolinha de futebol, esporte que é apaixonado. Por ter uma visão estratégica do jogo, roubava a bola e fazia o gol, sendo com frequência o artilheiro do time. Ele chamava a atenção também pelo jeito singular de correr nas pontas dos pés e ter as panturrilhas bem marcadas. Apesar disso, durante os treinos ele não tinha a mesma agilidade dos colegas ao correr atrás das bolas. “Isso começou a me incomodar, mas nos jogos ele se resolvia, pois sabia se posicionar no campo e conseguia fazer gol”. O treinador chegou a comentar com ela sobre essas características, o que também foi observado por outras pessoas.
Alertada, Fabiana decidiu consultar um ortopedista que, a princípio, supôs que a condição motora do Henrique pudesse ser sequela de uma possível falta de oxigenação durante o parto. A hipótese foi descartada, já que o nascimento foi acompanhado por especialistas em um hospital de referência e nada havia sido identificado na época. Feitos alguns testes motores, o médico suspeitou de algo mais complexo: distrofia muscular de Duchenne (DMD).
Fabiana recorreu a uma amiga neurologista, que os encaminhou para uma especialista. Foram realizados diversos exames, como o CK, que reforçou a suspeita de DMD. Fabiana buscou informações na internet para melhor entender a condição do filho e se assustou ao se deparar com o prognóstico. “Senti uma cobrança, pois, por ser médica, salvei tantas vidas e não consegui identificar isso no meu filho. Levei uns dias para compreender a questão e depois veio o luto”.
Aos seis anos, Henrique iniciou os primeiros cuidados multidisciplinares com sessões de hidroterapia. Após a confirmação do diagnóstico por um exame genético, ele passou a ser acompanhado por uma neuropediatra. Além da hidroterapia, ele começou a fazer fisioterapia, e reforçou o cuidado com a saúde por meio de suplementação de vitaminas e atualização de vacinas.
Esse turbilhão de sentimentos serviu para Fabiana promover uma transformação também em sua vida profissional. Reduziu o atendimento no consultório, passou a se dedicar mais à UTI Pediátrica, área que ela se sentia mais confiante em atuar, o que lhe permitiu apoiar de perto a jornada de Henrique no enfrentamento dos desafios por conta do avanço da doença. “No futebol, Henrique trocou de posições no campo por conta das limitações. Nessa época, ele passou a sentir mais dificuldades e resolveu perguntar porque ele era assim. Com jeito, expliquei para ele que em sua receita genética faltava um pedacinho e isso fazia com que seus músculos perdessem a elasticidade.
Neste dia, ele chorou bastante”.
Ao passo que tomava consciência da doença, Henrique encontrou sua própria voz para conscientizar as pessoas sobre a DMD. Quando as aulas presenciais foram retomadas após a pandemia, ele resolveu falar sobre a doença para os colegas da escola. Participou de entrevistas nas rádios locais e do Pernas Caipiras, uma corrida de rua tradicional em Piracicaba para incentivar e promover a inclusão de pessoas com deficiências por meio do esporte. Tudo isso fez com que ele se dedicasse mais aos cuidados com a própria saúde.
Em 2022, ele começou a usar a cadeira de rodas, permitindo que tivesse mais liberdade para se movimentar. “Fizemos uma viagem para Campos do Jordão e ele pediu para andar sozinho na rua.
Permitimos e ele subia e descia as ladeiras loucamente. Isso mostra como ele lidou bem com a situação. Daí, ele foi tendo ideias para melhor se adaptar. Decidiu mudar para um quarto mais espaçoso e, na escola, construiu uma rede de apoio para fazer as coisas funcionarem, como utilizar o computador ao invés do caderno e pedir aos amigos para carregarem sua mochila”.
A história da família foi parar nas páginas do livro Looping — O Diagnóstico da Distrofia Muscular de Duchenne e seu Impacto na Vida de uma Família, escrito por Fabiana a partir de anotações sobre o que ela estava vivendo. O livro tem ainda o propósito de conscientizar mãe e pais, bem como profissionais da saúde. “A doença é ainda muito desconhecida. Um neurologista até ouve falar, mas na faculdade não se estuda sobre a distrofia muscular de Duchenne. É urgente o treinamento de médicos para identificar a doença. Ao se tratar de DMD, tempo é músculo”, conclui Fabiana.
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A história do Guierry com a DMD começou por volta dos 4 anos: como ele não corria bem, logo notaram que havia algo diferente. Neste primeiro momento, a professora dele foi essencial, pois ela que teve tal percepção e pediu para que a família investigar. Então, começaram a levá-lo em especialistas e o diagnóstico foi de que ele não tinha a ponte do pé. Por isso, ele passou dois anos usando bota ortopédica. Porém, os problemas não foram resolvidos. Ele continuava sem forças para caminhar, correr e sentia dores nas pernas. A mãe, Rebeca Cristina, conta que, na medida que o filho crescia, todos os sintomas foram piorando.
Neste período de piora, a família ainda morava em Santa Helena, na Venezuela. Eles se mudaram para o Brasil para passar em consultas com ortopedistas. Entretanto, todos os médicos falavam que o Guierry estava bem e o fato de que ele andava na ponta dos pés, por exemplo, era apenas uma fase. Todos afirmavam que com o tempo essas questões melhorariam.
Mas não houve melhora. As quedas pioraram e Gui sequer tinha forças para carregar uma sacola leve. A família continuou insistindo na busca do diagnóstico e foram atrás de outros especialistas. Nesta nova procura, encontraram um ortopedista que os indicou a procurar um neurologista pediátrico. Já na primeira consulta o médico logo desconfiou que poderia ser a distrofia muscular de Duchenne, o que foi conformado alguns meses depois – ele já tinha oito anos.
Rebeca lembra que receber o diagnóstico foi muito duro e deixou a família abalada. Felizmente, eles tiveram total suporte da família e dos amigos, principalmente do pai de Rebeca, que trabalhava na área da saúde. Segundo ela, a rede de apoio foi essencial para que ela tivesse outro olhar ao lidar a nova realidade.
Por volta dos 10 anos, Guierry fez uma cirurgia no tendão e no quadril com o objetivo de corrigir a postura, mas logo depois, por volta dos 11 anos, fez a transição para a cadeira de rodas – um pedido do próprio Gui.
Durante a pandemia, tiveram o maior desafio de todos: por conta da covid-19, eles se isolaram muito e isso teve consequências, pois ele era uma criança que gostava muito de sair e ver as pessoas. Nesse período, ele também deixou de fazer fisioterapia e ir à escola. Mas já disse aos pais que quer fazer faculdade online, formando-se na área de desenvolvimento de jogos.
Desde a pandemia, ele não retornou para a fisioterapia. Uma vez ao ano ele passa com a médica para acompanhamento. Em uma avaliação mais recente feita por especialistas, o resultado foi de que Guierry estava muito bem, tanto em questão respiratória, quanto cardíaca.
A mensagem que Rebeca e o esposo passam é de viver um dia de cada vez. “Quando pensamos muito no que vai acontecer no futuro, a gente deixa de viver o hoje com nossos filhos.
Precisamos dar carinho, amor e não medir esforços para dar o que eles precisam e o que eles querem. O nosso foco é fazê-lo feliz”.
*O diagnóstico deve ser feito pelo médico. Em caso de dúvidas, procure um especialista.
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Por volta de seis anos, Murilo recebeu o diagnóstico que mudaria sua vida para sempre: distrofia muscular de Duchenne. Ainda muito pequeno, ele confessa que não tinha noção do que acontecia, mas sua mãe, Isabel, lembra que desde a primeira infância notou alguns sinais, mas, a princípio, não se aprofundou em uma investigação mais específica. “Ele não engatinhou, mas por volta dos nove meses, começou a andar. Pensei que ele tinha apenas pulado um dos marcos do desenvolvimento.
Quando estava com um ano e três meses, ele já conseguia andar sozinho, mas caia com frequência”, relata.
Durante uma aula de natação, quando ele estava com dois anos, foi notado que ele andava na ponta dos pés. E comparando com os colegas de escola, Murilo tinha alguns atrasos motores. Foi quando as professoras alertaram Isabel a procurar um médico.
Segundo Murilo, ele lembra que levantava do chão de uma forma diferente e não costumava pular.
O caminho até o diagnóstico não foi fácil, passando inicialmente por seis ortopedistas que não relataram nenhuma alteração clínica e recomendaram fisioterapia. Isabel conta que um deles chegou a dizer: “Com essa panturrilha gordinha, ele vai ser jogador de futebol”.
“Eu levava as consultas numa boa porque, como eu era muito pequeno, não entendia muito bem o que eu tinha. Era como um passeio. Aos sete anos, comecei a entender melhor. Minha principal apreensão era ficar exposto a quedas e me machucar. Dessa forma, buscava não ficar muito próximo das pessoas e fazer esportes. Sempre gostei de desenhar, jogar videogame e brincar com carrinho e bonequinhos”, conta Murilo.
Foi em uma das sessões de fisioterapia que a responsável pelo serviço identificou que a condição dele não era uma questão ortopédica, e o encaminhou para um neurologista com recomendação de explorar a possibilidade de ser DMD. O diagnóstico foi confirmado aos seis anos.
Nesse processo, a escola foi um ambiente acolhedor. “Falamos sobre DMD para os professores, de uma forma bem básica. Dissemos que eu tinha um problema nas pernas e, por conta disso, não conseguia realizar todas as atividades. As pessoas entendiam e sempre tentavam me incluir. Estudei na mesma escola até terminar o ensino médio, então cresci cercado de amigos, de pessoas que me conheciam. Fui zoado na escola uma única vez. Eu o ignorei e ele me ignorou. Depois acabamos amigos”.
Na adolescência, ele passou a utilizar a cadeira de rodas, o que aumentou a sua capacidade de locomoção e oferecia certa proteção as quedas. Nessa época, estava com 14 anos. A DMD não impossibilitou Murilo de alcançar seus objetivos. Ele se formou Design de Games e hoje, aos 24 anos, trabalha como programador de aplicativos para um banco. Murilo mantém vínculos fortes com amigos de longa data, compartilhando paixões por festas, cinema e jogos online. Para ele, o importante é não se sentir impedido de fazer aquilo que quer.
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A jornada de Guilherme com a DMD começou por volta de 1 ano e 2 meses de idade, quando começou a caminhar de uma forma diferente. Tinha quedas frequentes e reclamava sempre de dores nas pernas e nos pés quando ia dormir, principalmente em dias de maior atividade física, quando brincava muito.
Percebendo que havia algo estranho, Hosanna o levou a um pediatra que o encaminhou a um ortopedista. Depois de solicitar e analisar o exame de raio-X, o especialista disse que não havia nada de errado com ele e que as dores eram comuns ao crescimento. Conforme o tempo foi passando, as quedas e dores foram aumentando e a mãe notou também que as panturrilhas dele eram grandes e arredondadas, comparadas às de outras crianças.
Paralelamente a isso, Guilherme tinha um problema de adenoide e inflamação nas amígdalas, e foi submetido a uma cirurgia. Como ainda não tinha o diagnóstico de DMD, a equipe médica não sabia que ele poderia ter alguma complicação devido à anestesia, e foi justamente o que aconteceu. Alí, viveram um grande pesadelo. Guilherme teve uma parada cardiorrespiratória por 55 minutos, mas foi reanimado e felizmente, não ficou com sequelas.
Essa experiência foi o estopim para que a médica de Guilherme desconfiasse da distrofia muscular de Duchenne. Na época, o menino tinha 6 anos de idade. Com a suspeita, a mãe recorreu a internet para saber mais, e o choque foi grande. Na sequência, a família buscou uma especialista em doenças neuromusculares que explicou todos os detalhes e fez questão de desfazer o sentimento imediato de culpa em Hosanna.
A mãe conta que, no Nordeste, as coisas eram muito difíceis. O acesso à saúde era precário e quase ninguém conhecia a doença na época. Após a consulta com a especialista, o Guilherme fez um exame genético, que confirmou o diagnóstico.
Hosanna começou a buscar todos os recursos que pudessem ajudar seu filho. Foram a especialistas em São Paulo, iniciaram o acompanhamento fisioterápico, receberam orientações diversas até chegarem a um protocolo que, junto aos especialistas, seria o melhor para o Guilherme.
Mais de um ano depois, Hosanna e o filho ainda tinham muita dificuldade para lidar com o diagnóstico. Foi quando ela procurou auxílio psicológico para os dois. Isso os transformou, e hoje conseguem ver a vida de forma mais positiva.
Para eles, o primeiro desafio naquele momento foi a escola, pois é uma doença silenciosa, então tratavam ele de forma normal, deixando de ter um cuidado para subir ou descer escadas, por exemplo. Com isso, Hosanna precisou primeiro educar a coordenação, para então educarem os professores e os alunos. Ela conta que com esse conhecimento, a escola passou a colaborar muito com a inclusão e foi parceira.
Há três anos vivem na Espanha e, apesar da mudança radical, ele se adaptou muito bem. É um garoto feliz e ocupa parte do seu tempo no mundo virtual dos gamers, universo que ama muito.
Hosanna conta que Gui ainda caminha sozinho e só faz uso de cadeira de rodas quando é necessário percorrer um longo percurso, como corredores de aeroportos, shoppings ou passeios ao ar livre. Ele também faz curso técnico em informática e tem planos de trabalhar com programação ou algo ligado a designer de games.
Hoje, Hosanna vive ao máximo com o seu filho e acredita que tudo é adaptável. Se tem algo que não conseguem fazer de alguma forma, com certeza existe outra maneira acessível de realizá-la.
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Os primeiros sintomas da distrofia muscular de Duchenne apareceram quando Iuri ainda era pequeno, aos 6 anos. O principal era a dificuldade de levantar-se: costumava fazer aquele famoso movimento de colocar a mão no joelho e escalar o próprio corpo – a manobra de Gowers. Além disso, começou a cair muito quando tentava correr com os colegas. Depois, também passou a andar na ponta dos pés.
Sua mãe levou-o a um médico, que concluiu que ele tinha encurtamento do tendão de Aquiles. Iuri passou por sessões de fisioterapia com choques, o que pode ter acelerado a progressão da DMD, por gerar desgaste muscular. Ele precisou passar por mais de três profissionais até chegar à confirmação da distrofia muscular de Duchenne. O diagnóstico foi confirmado por meio de um teste genético.
Iuri conta que no começo o maior desafio da jornada era o cuidado diário. Aos 8 anos, ele passou por uma cirurgia para alongamento do tendão e no processo de repouso ficou por muito tempo sentado. Com isso, o joelho ficou atrofiado, acelerando a transferências para a cadeira de rodas.
Na escola, sempre teve colegas que o apoiavam, mas também sofreu com o bullying. Seu irmão, assim como toda a família, o ajudou nesse desafio. Com isso, Iuri foi se fortalecendo, construindo uma personalidade extrovertida, aventurando-se nas mais variadas atividades, como teatro e música.
Atualmente, Iuri faz fisioterapia respiratória, assim como fonoaudiologia e terapia ocupacional. Ele conta que periódicamente passa pelo cardiologista, neurologista e pneumologista, e sempre que sente algo diferente, ele vai ao médico para avaliar se está tudo bem.
Iuri é formado em ciência da computação há 3 anos e trabalha como programador. Ele conta que o momento de entrar no mercado de trabalho foi melhor do que imaginava pois a empresa a qual se candidatou promoveu um processo seletivo exclusivo para pessoas com deficiência e até os dias de hoje ele tem bastante liberdade para continuar o tratamento multidisciplinar, fazendo pausa sempre que precisa ir à uma consulta ou terapia.
Ele utiliza os teclados virtuais e comando de voz para auxiliá-lo nessa rotina, reforçando a importância da tecnologia na adaptabilidade de suas tarefas, o que o garante maior qualidade de vida e independência. Além disso, Iuri se interessa pelo mundo dos games e hoje tem como hobby o karaokê, pois é uma forma de continuar próximo da música, apesar de não conseguir mais tocar violão ou teclado como antigamente.
Daqui dez anos, ele se vê dando palestras motivacionais e levando a sua alegria por onde for. Sua mensagem para quem convive com a DMD é sempre fazer alguma coisa, nunca ficar parado. “Já toquei teclado, joguei bola, toquei violão, pintei quadros, fiz tapete, cantei e participei de peça de teatro. É importante sempre estar fazendo algo. Viu que alguma coisa não está dando mais, procure outra atividade. Sempre estude, se movimente e viva cada momento. Busque ver a vida com mais positividade e use os obstáculos para enxergar aquilo de outra forma. Nunca desista daquilo que você gosta, encontre outra forma de fazê-la”.
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O convívio com crianças foi fundamental para que a Tássia começasse a desconfiar dos sintomas do seu filho Rafael. Pedagoga, ela percebeu que ele não estava alcançando os marcos motores de desenvolvimento infantil conforme o esperado. “Desde o início, havia algo diferente. Ele demorou para ficar de pé e andar. Com 3 aninhos, as professoras relataram que ele tinha dificuldade ao subir as escadas para chegar à sala de aula, que ficava no segundo andar”, conta ela.
A partir daí começou a busca pela razão do Rafael apresentar essas dificuldades, passando por diversos médicos em uma jornada que durou três anos. Ela não se contentou com as respostas de que estava tudo normal com o filho. Por conta própria começou a pesquisar na internet até que cogitou ser distrofia muscular de Duchenne. Em casa, realizou o teste de rastreio para a fraqueza muscular pedindo que Rafael deitasse no chão e tentasse se levantar. Foi quando o menino realizou o “sinal de Gowers”, reforçando as suspeitas da mãe.
Em uma consulta com um ortopedista, o médico comentou que realmente poderia ser DMD e os encaminhou para uma pediatra e, na sequência, para um neuropediatra, que a partir de exames genéticos confirmaram o diagnóstico da doença. Na época, Rafael estava com seis anos.
“O momento do diagnóstico foi um choque. Eu tinha a suspeita, mas coloquei na minha cabeça que poderia ser qualquer distrofia, menos a de Duchenne. Um médico me disse para levar o Rafael para casa, pois não teria jeito e ele não sobreviveria. Tive crises de ansiedade e pânico. Mas não tinha como mudar, então fomos atrás de iniciar o cuidado adequado”, lembra.
O diagnóstico da DMD marcou o início de uma jornada de adaptações. Mãe e filho mergulharam de cabeça em terapias multidisciplinares para retardar o avanço da doença com o acompanhamento de uma equipe. Sessões de fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional e acompanhamento psicológico se tornaram parte integral de suas vidas, tudo para proporcionar mais qualidade de vida para Rafael.
A jornada não incluía apenas cuidados físicos, mas também apoio emocional. O acompanhamento psicológico foi fundamental para auxiliar na aceitação da condição e na construção de uma mentalidade resiliente.
Apesar dos desafios inerentes à DMD, Tássia sempre procurou oferecer ao filho uma vida o mais próxima possível do normal. Ela encorajou sua independência, adaptando-se às limitações e celebrando suas potencialidades. “Nunca focamos nas dificuldades e limitações. Sempre focamos nas potencialidades dele e nas tomadas de decisões, como mudar de casa para facilitar sua mobilidade”, afirmou Tássia, que confessa ter ficado mais abalada quando o filho parou de andar definitivamente.
“Chegando em casa, estacionei o carro e ele disse: ‘não consigo andar mais, me pega no colo’. Nessa época ele tinha nove anos. “Ele encarou como algo normal, eu nem tanto. Diante dele, sempre estive firme e continuo até hoje, mas muitas vezes eu chorei e me desesperei”, relata.
A transição para a cadeira de rodas deu ainda mais autonomia para ele. O que poderia ter uma perspectiva negativa, acabou virando uma forma de inclusão e o tornou popular na escola. E não tem sido diferente na faculdade. Hoje, aos 19 anos, Rafael está cursando o segundo período de Ciências da Computação.
A atitude que Tássia teve, de estimular um ambiente positivo, foi determinante para a qualidade de vida de Rafael. “Meu maior aprendizado nessa nossa jornada foi ter um olhar para qualquer situação focando no lado positivo, vivendo o hoje e o agora, não me preocupando com o amanhã, buscando proporcionar a ele mais qualidade de vida e tentando fazer o melhor hoje”.
*O diagnóstico deve ser feito pelo médico. Em caso de dúvidas, procure um especialista.
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Thalita Araújo percebeu os primeiros sinais de uma evolução diferente dos padrões quando o filho, João Gabriel, estava com três anos, pois frequentemente sofria quedas. Consultou um ortopedista, que indicou o uso de bota ortopédica. Quando ele tinha oito anos, ela buscou mais respostas já que os cuidados não resultaram em uma melhoria. À época, João passou a apresentar ainda mais dificuldades nos movimentos, como falta de força para caminhar e subir degraus.
Foi então que foi recomendado um neurologista, que solicitou exames, como de sangue e DNA, e confirmou o diagnóstico de distrofia muscular de Duchenne. “Até aquele momento, nunca tinha ouvido falar de DMD. Ao consultar a internet fiquei um pouco assustada. Não sei nem a palavra para definir o meu sentimento naquele momento”, conta Thalita.
Determinada, foi em busca de entender a condição do filho e o que seria necessário para ele melhorar. “Sou mais durona, arregacei as mangas e fui. Mas meu marido ficou mais sensibilizado e teve até depressão. Para o João, falei que ele deveria fazer fisioterapia e tomar uns remedinhos. Foi a forma de explicar para ele, que ainda era muito novo e não entendia”.
Se a jornada até aquele momento não havia sido fácil, depois vieram outros tantos desafios. Ela conta que na Paraíba não há muitos profissionais que tenham conhecimento sobre a doença e a melhor forma de manejo dos pacientes com DMD. Além disso, ainda enfrentava muitas dificuldades no ambiente escolar.
Tudo isso fez com que a família se tornasse reclusa. “Deixamos de visitar amigos e familiares e João não queria mais ir à escola ou mesmo festinhas de aniversário de colegas, pois não poderia brincar no pula-pula como outras crianças”.
Thalita avalia que a evolução da doença não foi tão drástica ao comparar com o caso de outras crianças. “Apesar do diagnóstico tardio, ainda hoje, ele não precisa usar respirador, mantém o controle do tronco e tem certa mobilidade. Ele é independente dentro do possível, precisando de apoio para tomar banho, por exemplo, mas ele ainda se alimenta sozinho e às vezes se deita e se levanta sem precisar de ajuda.” Para ela, os cuidados multidisciplinares, como as sessões de fisioterapia foram essenciais nesse sentido.
Ativista na luta por direitos das pessoas com DMD em João Pessoa,Thalita criou o movimento Mãe Duchenne PB e ressalta a importância da conscientização da classe médica quanto ao diagnóstico e o manejo de pessoas com DMD. “Os próximos 10 anos para a DMD são muito promissores, pois tem muita coisa surgindo. Eu quero o que toda mãe quer, ver o João ter prazer em se desenvolver, ser grande e crescer”.
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Para Albenizia e seu filho Breno, a jornada da distrofia muscular de Duchenne começou aos nove meses, período em que ele tinha picos frequentes de febre. Todos os dias ela o levava ao pronto socorro. Até que no terceiro dia o médico solicitou exames de sangue, incluindo TGO* e TGP**, enzimas que vieram com os resultados alterados. Com isso, passaram a investigar junto a pediatra que o acompanhava.
Eles realizaram diversos exames laboratoriais e ultrassons, que também estavam fora do esperado. Uma gastroenterologista solicitou biópsias do fígado. O resultado foi inconclusivo e enviado para a avaliação de outro profissional da saúde. Esse processo demorou um ano e a conclusão era de que não havia nada de errado.
Com isso, a nova estratégia da pediatra foi de mudar a área de investigação, o que a levou a solicitar um exame de CK, cujo resultado veio alterado. Albenizia e Breno foram indicados para uma reumatologista, que na consulta analisou os resultados e examinou o Breno fisicamente, pedindo para que ele sentasse, levantasse e caminhasse na frente dela. Após ponderar a especialista pediu para que a mãe levasse o Breno para fazer um exame genético, que confirmou o diagnóstico de distrofia muscular de Duchenne.
Breno não recebeu nenhum diagnóstico errado, entretanto houve demora para a confirmação da doença, que veio apenas aos quatro anos. Segundo Albenizia, receber o diagnóstico foi muito difícil, assim como achar um especialista em DMD no Maranhão, onde moram. Por isso, o acompanhamento médico do Breno é feito em São Paulo. No início, eles viajavam trimestralmente, agora vêm à metrópole a cada seis meses.
Albenizia conta que o ambiente escolar foi bastante desafiador, pois a estrutura da escola que ele estudava contava com muitas escadas e pouca acessibilidade. Além disso, enfrentou dificuldades com os docentes da instituição, apesar de todos os laudos apresentados. A saída foi mudar Breno de escola e na rede pública ele recebeu todo o apoio necessário, com acessibilidade nas dependências e uma pessoa que o auxilia durante toda a permanência na escola.
Hoje, Breno é acompanhado por uma equipe multidisciplinar que conta com pediatra, cardiologista, reumatologista, endocrinologista, ortopedista, oftalmologista, pneumologista, nefrologista e gastroenterologista. Além disso, ele realiza fisioterapia motora e hidroterapia semanalmente. Esse acompanhamento e o cuidado adequado com a doença, iniciados logo após a descoberta, foram essenciais para que aos 13 anos ele ainda caminhe, tenha sua saúde e qualidade de vida preservados.
Albenizia ressalta: “É uma realidade repleta de desafios e nós, como pais, vivemos um dia de cada vez. Fazemos a nossa parte para que nossos filhos vivam da melhor forma. Conviver com a DMD não é fácil, mas também não é impossível”.
*transaminase oxalacética
** transaminase pirúvica