Ao se mudar com a família da capital paulistana para o interior do Estado, na cidade de Piracicaba, a médica pediatra Fabiana buscava mais qualidade de vida. “Queria ter a oportunidade de ver meu filho crescer brincando no parquinho”, conta ela. O primeiro dos dois filhos, Henrique, hoje com 12 anos, à época tinha pouco mais de um.
Mãe zelosa e também especialista em cuidar de crianças, Fabiana acompanhava seu crescimento, que não indicou anormalidades nos marcos motores do desenvolvimento. “Ele subia as escadas de casa bem devagar, um degrau de cada vez. Eu pensava que ele tinha medo de altura e, por isso, era cuidadoso”, relata.
Aos quatro anos, Henrique entrou para a escolinha de futebol, esporte que é apaixonado. Por ter uma visão estratégica do jogo, roubava a bola e fazia o gol, sendo com frequência o artilheiro do time. Ele chamava a atenção também pelo jeito singular de correr nas pontas dos pés e ter as panturrilhas bem marcadas. Apesar disso, durante os treinos ele não tinha a mesma agilidade dos colegas ao correr atrás das bolas. “Isso começou a me incomodar, mas nos jogos ele se resolvia, pois sabia se posicionar no campo e conseguia fazer gol”. O treinador chegou a comentar com ela sobre essas características, o que também foi observado por outras pessoas.
Alertada, Fabiana decidiu consultar um ortopedista que, a princípio, supôs que a condição motora do Henrique pudesse ser sequela de uma possível falta de oxigenação durante o parto. A hipótese foi descartada, já que o nascimento foi acompanhado por especialistas em um hospital de referência e nada havia sido identificado na época. Feitos alguns testes motores, o médico suspeitou de algo mais complexo: distrofia muscular de Duchenne (DMD).
Fabiana recorreu a uma amiga neurologista, que os encaminhou para uma especialista. Foram realizados diversos exames, como o CK, que reforçou a suspeita de DMD. Fabiana buscou informações na internet para melhor entender a condição do filho e se assustou ao se deparar com o prognóstico. “Senti uma cobrança, pois, por ser médica, salvei tantas vidas e não consegui identificar isso no meu filho. Levei uns dias para compreender a questão e depois veio o luto”.
Aos seis anos, Henrique iniciou os primeiros cuidados multidisciplinares com sessões de hidroterapia. Após a confirmação do diagnóstico por um exame genético, ele passou a ser acompanhado por uma neuropediatra. Além da hidroterapia, ele começou a fazer fisioterapia, e reforçou o cuidado com a saúde por meio de suplementação de vitaminas e atualização de vacinas.
Esse turbilhão de sentimentos serviu para Fabiana promover uma transformação também em sua vida profissional. Reduziu o atendimento no consultório, passou a se dedicar mais à UTI Pediátrica, área que ela se sentia mais confiante em atuar, o que lhe permitiu apoiar de perto a jornada de Henrique no enfrentamento dos desafios por conta do avanço da doença. “No futebol, Henrique trocou de posições no campo por conta das limitações. Nessa época, ele passou a sentir mais dificuldades e resolveu perguntar porque ele era assim. Com jeito, expliquei para ele que em sua receita genética faltava um pedacinho e isso fazia com que seus músculos perdessem a elasticidade.
Neste dia, ele chorou bastante”.
Ao passo que tomava consciência da doença, Henrique encontrou sua própria voz para conscientizar as pessoas sobre a DMD. Quando as aulas presenciais foram retomadas após a pandemia, ele resolveu falar sobre a doença para os colegas da escola. Participou de entrevistas nas rádios locais e do Pernas Caipiras, uma corrida de rua tradicional em Piracicaba para incentivar e promover a inclusão de pessoas com deficiências por meio do esporte. Tudo isso fez com que ele se dedicasse mais aos cuidados com a própria saúde.
Em 2022, ele começou a usar a cadeira de rodas, permitindo que tivesse mais liberdade para se movimentar. “Fizemos uma viagem para Campos do Jordão e ele pediu para andar sozinho na rua.
Permitimos e ele subia e descia as ladeiras loucamente. Isso mostra como ele lidou bem com a situação. Daí, ele foi tendo ideias para melhor se adaptar. Decidiu mudar para um quarto mais espaçoso e, na escola, construiu uma rede de apoio para fazer as coisas funcionarem, como utilizar o computador ao invés do caderno e pedir aos amigos para carregarem sua mochila”.
A história da família foi parar nas páginas do livro Looping — O Diagnóstico da Distrofia Muscular de Duchenne e seu Impacto na Vida de uma Família, escrito por Fabiana a partir de anotações sobre o que ela estava vivendo. O livro tem ainda o propósito de conscientizar mãe e pais, bem como profissionais da saúde. “A doença é ainda muito desconhecida. Um neurologista até ouve falar, mas na faculdade não se estuda sobre a distrofia muscular de Duchenne. É urgente o treinamento de médicos para identificar a doença. Ao se tratar de DMD, tempo é músculo”, conclui Fabiana.
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