NUTRIÇÃO
NUTRIÇÃO NA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE
O cuidado nutricional na distrofia muscular de Duchenne (DMD), assim como em outras doenças crônicas, é considerado uma parte muito importante do tratamento.1-3
Tanto as alterações causadas pela doença quanto os medicamentos utilizados para tratamento levam a modificações no estado nutricional dos pacientes, que necessitam de atenção contínua.1-3 Com os avanços no tratamento da DMD nos últimos anos, observou-se que a evolução da doença pode ser modificada por intervenções nas manifestações e nas complicações conhecidas, a fim de proporcionar e/ou preservar a qualidade e a expectativa de vida dos pacientes.1-3
Entre as manifestações, é possível destacar as alterações do estado nutricional, que vão desde sobrepeso ou obesidade até baixo peso ou desnutrição e podem ocorrer em diferentes idades e circunstâncias, piorando a capacidade física dos portadores de DMD.2
Aconselha-se que os pacientes permaneçam dentro das faixas de peso ideal recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com a idade. Mais recentemente foram publicadas curvas de crescimento específicas para meninos com a distrofia muscular de Duchenne até os 12 anos de idade e que andam, mais adequadas para acompanhar o peso desses indivíduos e identificar os problemas nutricionais.2,4 Assim, todos os pacientes precisam receber orientações nutricionais sobre alimentação saudável e balanceada, com o objetivo de prevenir o desenvolvimento de distúrbios do estado nutricional. A ingestão de calorias em excesso leva ao ganho de peso, enquanto a baixa ingestão calórica favorece a perda de peso e, consequentemente, de massa muscular.2-4
Guia de nutrição e manutenção de peso
As orientações nutricionais são importantes especialmente nos seguintes momentos:2,5-7
- Ao diagnóstico;
- No início do uso de corticoides;
- Quando houver a transição para a cadeira de rodas;
- Se apresentar baixo peso ou ocorrer perda de peso de maneira não intencional;
- Se estiver ganhando muito peso ou já estiver acima do peso ideal;
- Se uma grande cirurgia estiver programada;
O excesso de peso costuma ocorrer no início do curso da doença e pode ser observado já aos 7 anos de idade7. No entanto, é mais comum quando os pacientes perdem a capacidade de andar. Acredita-se que o ganho de peso está relacionado a um desequilíbrio entre o consumo e o gasto calórico pelo corpo, devido aos seguintes fatores:5-7
- Redução do metabolismo pela perda de massa muscular;
- Diminuição da atividade física, especialmente após a transição para a cadeira de rodas;
- Aumento do apetite causado pelos medicamentos;
- Elevado consumo de calorias através da alimentação.
O ganho de peso excessivo é prejudicial para pacientes com distrofia muscular de Duchenne, pois:2,5-7
- Piora a fraqueza muscular (maior esforço para os músculos que já estão fracos), comprometendo a movimentação, podendo antecipar a ida para a cadeira de rodas;
- Pode comprometer os benefícios obtidos com o tratamento com corticoides;
- Aumenta o risco de desenvolvimento de escoliose (deformidade na coluna), pressão alta, alterações na glicose sanguínea e no colesterol;
- Compromete o funcionamento do pulmão e do coração;
- Dificulta o transporte, a interação e/ou o desenvolvimento psicossocial dos pacientes;
- Interfere no cuidado, especialmente após a perda da marcha, tornando as atividades de vida diárias mais difíceis, afetando a qualidade de vida de toda a família.
- Comer devagar, mastigando bem os alimentos;
- Manter o prato colorido, usando diferentes tipos de alimentos e preparações, crus e cozidos;
- Estabelecer horários regulares para as refeições, evitando ficar longos períodos sem se alimentar;
- Não esperar sentir fome, pois você pode comer mais do que o necessário;
- Fazer de 4 a 6 refeições ao dia e procurar comer de 3 em 3 horas, em pequenas quantidades;
- Evitar “beliscar” entre as refeições;
- Começar as refeições com um prato de salada crua, variada e colorida;
- Ingerir boa quantidade de água durante o dia, evitando líquidos durante as refeições;
- Não realizar atividades junto com as refeições, como comer em frente à televisão, pois isso desvia a atenção, prejudicando a visualização dos alimentos que estão sendo ingeridos;
- Fazer as refeições em um ambiente tranquilo;
- Reduzir a ingestão de alimentos gordurosos como: manteiga, margarina, maionese, torresmo, bacon, linguiça, empanados de frango, salsicha, carnes gordas, frituras etc.;
- Quando usar margarina, manteiga, maionese ou requeijão nos pães ou biscoitos, usar em pequena quantidade. Mesmo se for light, devem ser consumidos com moderação;
- Dar preferência a preparações cozidas, assadas ou grelhadas, ao invés de fritas;
- Consumir queijos brancos (tipo cottage, minas frescal ou ricota), leite e iogurte desnatados;
- Utilizar óleo vegetal (soja, milho, girassol, canola, azeite) em pequenas quantidades;
- Consumir diariamente verduras e legumes crus e cozidos;
- Evitar molhos gordurosos para temperar as saladas, como maionese, óleos e catchup;
- Não consumir alimentos ricos em carboidratos em uma mesma refeição;
- O arroz pode ser substituído por igual quantidade de massa (macarrão, farinha, angu, batata inglesa, batata doce, batata baroa, inhame, milho verde);
- Consumir os legumes brancos (batata, inhame, mandioca, batata doce, baroa) cozidos ou ensopados, ao invés de fritos, e molhos de macarrão pouco gordurosos, sem queijo ou molho branco;
- Comer 2 a 4 porções de frutas por dia;
- Escolher alimentos frescos e da época;
- Reduzir a ingestão de doces, balas, chicletes, chocolates, pães, bolos e biscoitos recheados, além de refrigerantes e sucos artificiais. Evitar achocolatados, especialmente os prontos para consumo;
- Evitar o consumo de alimentos muito salgados ou temperados, como linguiça, enlatados, salsicha, salgadinhos, empanados etc., pois além de serem muito calóricos, ajudam a reter líquido, causando inchaço;
- Consumir com moderação (no máximo 1 vez por semana), em pequenas porções, alimentos muito calóricos, como: pizza, sanduíches e alimentos rápidos (fast food), cachorro quente, salgadinhos, chips, salgados etc.
Baixo peso/desnutrição entre pacientes com distrofia muscular de Duchenne (DMD) é mais comum com o avançar da idade, especialmente após os 18 anos. A perda progressiva de massa muscular devido à evolução da doença é a principal causa da redução do peso e agravada pelos seguintes motivos:1,2,5-7
- Perda de apetite;
- Engasgos durante a alimentação relacionados à fraqueza dos músculos envolvidos na deglutição;
- Dificuldade para abrir a boca e mastigar os alimentos;
- Dificuldade para se alimentar sozinho, aumentando o tempo para as refeições e reduzindo a quantidade de alimentos ingeridos;
- Baixa ingestão de calorias;
- Problemas na digestão dos alimentos e refluxo;
- Aumento das necessidades de energia do corpo devido a maior dificuldade para respirar.
O baixo peso ou desnutrição também é prejudicial para os pacientes, pois:
- Compromete a imunidade e aumenta o risco de desenvolvimento de infecções pulmonares;
- Aumenta a fraqueza muscular;
- Favorece o desenvolvimento de feridas no corpo (úlceras por pressão ou escaras), devido à menor mobilização e dificuldade de cicatrização.
Abaixo são apresentadas algumas dicas para ajudar na recuperação nutricional ou evitar maior perda de peso do paciente com a distrofia muscular de Duchenne. São medidas que auxiliam a elevar a quantidade de calorias ingeridas durante o dia, sem aumentar muito a quantidade de alimentos, o que favorece o ganho de peso.
- Fazer no mínimo 6 pequenas refeições durante o dia, em intervalos de no máximo 3 horas. O fracionamento das refeições em menores quantidades contribuirá para o aumento do consumo de calorias no decorrer do dia;
- Oferecer os alimentos que o paciente mais gostar, pois contribuem para uma melhor ingestão;
- Variar os alimentos, evitando a monotonia da alimentação;
- Oferecer refeições coloridas, que estimulem o apetite;
- Evitar alimentos de baixa caloria, como chás, sucos light, se forem tirar o apetite naquela refeição;
- Utilizar molhos e temperos variados para estimular o apetite;
- Tornar o momento da refeição o mais prazeroso possível. Comer sempre que possível em família ou com amigos, em ambiente tranquilo e agradável;
- Começar as refeições com os alimentos que contêm mais proteínas, como carne, leite, ovos;
- Adoçar todas as bebidas (sucos, chás, café, leite, vitaminas de frutas) com açúcar, leite condensado ou mel;
- Para aumentar mais a quantidade de calorias sem adoçar muito as bebidas, acrescentar maltodextrina (pelo menos 1 medida ou colher) nas preparações líquidas. Aumentar a quantidade à medida que o paciente for tolerando;
- Pode ser acrescentado também às bebidas um complemento protéicocalórico industrializado em pó, disponível em farmácias e supermercados;
- Acrescentar a preparações com leite ou ao iogurte: leite em pó, mel, açúcar, creme de leite, sorvete, leite condensado, farinhas, aveia ou cereais instantâneos;
- Preferir ofertar ao paciente vitaminas, mingau, milkshake etc., ao invés de leite puro;
- Acrescentar aos pães, torradas, biscoitos e cereais: geleia, mel, manteiga, margarina, maionese, queijo, presunto, ovo;
- Evitar comer frutas puras. Acrescentar a elas: açúcar, farinhas, leite condensado, creme de leite, mel, aveia, leite em pó, chocolate em pó, doce de leite, sorvete, granola. Pode-se também salpicar maltodextrina ou um complemento calórico na salada de frutas;
- No almoço e jantar consumir, além do arroz, uma porção de: macarrão, angu, farofa, batatas, purê, mandioca, cará, inhame ou farinha de milho;
- Acrescentar nas sopas e purês: azeite ou óleo vegetal, margarina, queijo, requeijão cremoso, presunto, maionese, leite em pó ou creme de leite;
- Consumir carne ou ovo em quantidades normais. Variar o tipo de preparação (ensopada, grelhada, assada, frita ou empanada à milanesa ou à dorê);
- Preparar legumes e verduras refogados em óleo ou em preparações como suflês, gratinados ou com molho branco. Misturar manteiga ou margarina derretida, queijo, requeijão ou creme de leite nestas preparações;
- Acrescentar às saladas: azeite ou óleo vegetal, ovos, creme de leite, maionese;
- Consumir diariamente pelo menos uma sobremesa na forma de doce: cocada, pé de moleque, chocolates, goiabada, bananada, doce de leite, pudim e outros;
De acordo com a preferência, o jantar pode ser substituído por:
Sopa de legumes com amido (arroz, macarrão, fubá, canjiquinha etc.) e com carne. Utilizar no preparo quantidades normais de óleo vegetal e adicionar uma colher de sobremesa de óleo de soja, canola ou de azeite de oliva no momento de servir;
Um lanche reforçado com pão, queijo e carne ou ovo, acompanhado de vitamina de frutas;
O lanche da noite (ceia) é fundamental na recuperação nutricional. Oferecer mingau, achocolatado, iogurte, vitamina de frutas, de acordo com a preferência do paciente.
Para pacientes de DMD que apresentam dificuldade para mastigar ou engolir, recomendações adicionais são necessárias para evitar a perda de peso, desde que a alimentação oral seja permitida após avaliação de um fonoaudiólogo. São elas:
- Partir os alimentos em porções pequenas e oferecer em pequenas quantidades;
- Oferecer alimentos com textura mais macia, em preparações com caldo, amassados, liquidificados ou preparados na forma de purê.
Com o objetivo de complementar a ingestão calórica por via oral ou quando há dificuldade extrema de deglutição pela fraqueza muscular, pode ser indicada a passagem de sonda para nutrição. Esta aumenta o risco de pneumonia pela passagem de alimentos para as vias respiratórias (pneumonia por aspiração). Tal indicação é realizada normalmente com o avançar da idade e da DMD, após avaliação criteriosa realizada por fonoaudiólogo, médico, e nutricionista, considerando todos os riscos e benefícios. 1,2,5-7
Entenda outros pontos do cuidado multidisciplinar:
REFERÊNCIAS
Material nutricional revisado pela Dra. Gisele Mendes, Nutricionista (CRN 2.508).
1 Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al.; DMD Care Considerations Working Group. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 1: diagnosis, and pharmacological and psychosocial management. Lancet Neurol. 2010 Jan;9(1):77-93.
2 Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al.; DMD Care Considerations Working Group. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 2: implementation of multidisciplinary care. Lancet Neurol. 2010 Feb;9(2):177-89. Erratum in: Lancet Neurol. 2010 Mar;9(3):237.
3 Araújo APQC, Nardes F, Fortes CPDD, Pereira JA, Rebel MF, Dias CM, et al. Brazilian consensus on Duchenne muscular dystrophy. Part 2: rehabilitation and systemic care. Arq Neuropsiquiatr. 2018 Jul;76(7):481-9.
4 Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Vigilância alimentar e nutricional: curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde – OMS. Brasília, DF: MS/DAB; [data desconhecida]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_vigilancia_alimentar.php?conteudo=curvas_de_crescimento. Acesso em: 20 mar. 2019
5 Davidson ZE, Truby H. A review of nutrition in Duchenne muscular dystrophy. J Hum Nutr Diet. 2009 Oct;22(5):383-93.
6 Salera S, Menni F, Moggio M, Guez S, Sciacco M, Esposito S. Nutritional challenges in Duchenne muscular dystrophy. Nutrients. 2017 Jun 10;9(6). pii: E594. doi: 10.3390/nu9060594.
7 Davis J, Samuels E, Mullins L. Nutrition considerations in Duchenne muscular dystrophy. Nutr Clin Pract. 2015 Aug;30(4):511-21
8 Scaglioni S, De Cosmi V, Ciappolino V, Parazzini F, Brambilla P, Agostoni C. Factors influencing children’s eating behaviours. Nutrients. 2018 May 31;10(6). pii: E706. doi: 10.3390/nu10060706.
9 World Health Organization [homepage]. Healthy diet. Geneva, Switzerland: WHO; 2018 Oct 23. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/healthy-diet. Acesso em: 20 mar. 2019.
10 Lawrence R, Segal J, Segal R; Help Guide.org International. Health eating: simple ways to plan, enjoy, and stick to a healthy diet. Santa Monica, CA, USA: Help Guide; 2019 Jan [last updated]. Disponível em: https://www.helpguide.org/articles/healthy-eating/healthy-eating.htm/. Acesso em: 20 mar. 2019.
11 Darras BT, Urion DK, Ghosh PS. Dystrophinopathies. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, et al., editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle, WA, USA: University of Washington, Seattle; 1993-2019. Initial posting: 2000 Sep 5; last update: 2018 Apr 26. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1119/. Acesso em: 20 mar. 2019″
Conteúdo elaborado pelo
Prof. Dr. Marcondes C. França Jr.
CRM-SP 102.490
Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas (FCM – Unicamp)
Data: agosto/2020